Os softwares de modelagem 3D permitem revelar o rosto de um desconhecido a partir do crânio e restos mortais. O emprego dessa técnica deu notoriedade mundial ao designer especialista em reconstrução facial forense Cícero Moraes, de 39 anos. Após começar a se interessar pelo processo de reconstruir faces, a título de curiosidade, seu trabalho chamou atenção de arqueólogos e da comunidade católica. Cícero tornou-se referência no assunto e já reconstruiu as faces de D. Pedro I, Santo Antônio de Pádua e até de Jesus Cristo.

A reconstrução facial forense, ou aproximação facial forense, deriva da ciência forense, um conjunto de técnicas e métodos científicos usados para a resolução de crimes. É um estudo multidisciplinar que envolve arte, antropologia, anatomia e osteologia (ramo da anatomia que estuda a estrutura e o desenvolvimento dos ossos e articulação). É usada em investigação criminal para identificar corpos e desvendar crimes, além de servir para fins históricos e arqueológicos, como revelar a ancestralidade de um povo antigo, por exemplo.

> “A reconstrução facial forense é uma técnica que aproxima o rosto de uma pessoa a partir do seu crânio. Ela foi apresentada ao público por séries de televisão como Profissão: Perigo, SCI e Bones. O especialista utiliza um crânio como base, posiciona os músculos principais sobre o mesmo, projeta o nariz, boca e posicionamento dos olhos, tudo com um misto de abordagem anatômica e estatística”, explica o designer, que foi aluno de Marketing da Uninter no polo de Sinop (MT), entre 2007 e 2008.

**Exemplo de reconstrução facial forense**

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A imagem acima é do Jovem de Areni, da Armênia. Em 2007, durante escavações no complexo de cavernas Areni-1 foram encontrados três crânios de indivíduos de 6, 9 e 18 anos de idade. Graças a tecnologias forenses modernas, o crânio do jovem de 18 anos foi reconstruído e apresentado ao público em 23 setembro de 2021. O trabalho foi um esforço coletivo que envolveu especialistas do Brasil, da República Tcheca e da Armênia. Cícero ficou responsável pela reconstrução facial forense.

Já o Homem de Perak (na imagem abaixo) é o fóssil mais antigo da Malásia. É chamado por esse nome por ter sido encontrado no sítio arqueológico de Lenggog Valley, em Perak, um dos 13 estados da Malásia e o segundo maior da península malaia. Estima-se que seus restos mortais datam entre 10 mil e 11 mil anos atrás.

A reconstrução facial do Homem de Perak foi um projeto organizado pela Universiti Sains Malaysia (USM). A face foi apresentada no dia 24 de fevereiro de 2021 em um editorial da revista científica Malaysian Journal of Medical Sciences.


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**Um designer curioso e autodidata**

Cícero conta que sempre gostou de desenhar e estudar modelagem 3D. “Eu desenho desde muito novo. Na verdade, comecei a vender minhas obras desde os 7 ou 8 anos, para os amigos e vizinhos. Quando cresci e precisei trabalhar, adaptei o meu conhecimento para o desenho arquitetônico. Durante o processo, conheci a computação gráfica 3D, passei a fazer maquetes eletrônicas, depois pulei para a área da publicidade e finalmente me interessei pela reconstrução facial”, explica.

Quando Cícero começou a estudar a arte forense, não imaginava que seu trabalho poderia repercutir mundo afora. Após desenvolver uma técnica inovadora de modelagem 3D em softwares livres como Blender e InVesalius, seu trabalho chamou a atenção de arqueólogos que usam esses programas para digitalizar fósseis. Ele também passou a colaborar com pesquisas acadêmicas da Faculdade de Odontologia da Universidade de São Paulo (USP).

Mas Cícero ficou famoso mesmo depois de ter sido chamado pelo Grupo Arc-Team, da Itália, para dar rosto ao fóssil do Santo Antônio de Pádua, conhecido no Brasil somo o santo casamenteiro. Na época, Cícero não sabia que se tratava de uma figura religiosa importante.

“Simplesmente falaram que era da história italiana, mas não disseram de quem se tratava. No caso, que era branco, de uma faixa etária de 30 a 40 anos e um homem”, explicou o designer gráfico em entrevista ao programa Fantástico, da Rede Globo. As notícias acerca da reconstrução facial de Santo Antônio foram propagadas em 19 países. Depois disso, Cícero já deu rosto a 18 santos e 2 beatos.

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Cícero também foi chamado pelo jornal BBC para dar rosto a Jesus Cristo para uma reportagem que se propôs a “fazer o cálculo” de como seria a aparência real de Jesus de Nazaré. A matéria **[O que os historiadores dizem sobre a real aparência de Jesus](https://www.bbc.com/portuguese/articles/cv2jxgkyykro)** gerou muita polêmica, já que o designer brasileiro retratou o filho de Deus como um homem negro, de cabelos curtos e crespos, diferindo da imagem eurocêntrica difundida ao longo de dois milênios no Ocidente.

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A imagem acima retrata aquele que seria o rosto de Jesus, segundo a reconstituição feita por Cícero. Trata-se na verdade de uma modelagem 3D baseada em uma média facial da região onde se passaram os episódios relatados no Novo Testamento.

Cícero explica que fez uma ilustração a partir da média facial dos indivíduos da região que Cristo habitou, no Oriente Médio, no século 1, já que não é possível fazer uma reconstrução facial forense sem restos mortais.

**Além da arte forense**

O brilhante trabalho de Cícero com modelagem tridimensional abriu portas para outras áreas, como as medicinas humana e veterinária. Ele recebeu o convite para modelar uma prótese 3D para a jabota Freddy, que perdeu o casco em 2015 em um incêndio florestal em Brasília, em uma área de Cerrado.

O animal teve 85% do corpo comprometido e foi encontrado com insetos e larvas na região onde o casco foi destruído. O projeto foi tão inovador e inédito que entrou para o Guinness Book de 2022. Cícero teve seu nome registrado no livro dos recordes por ter produzido a **[1ª prótese do mundo para jabuti](https://www.otempo.com.br/interessa/designer-brasileiro-vai-para-guinness-book-apos-fazer-1-protese-para-jabuti-1.2546468)**.

![](https://www.datocms-assets.com/48983/1715888894-protese-do-casco-da-jabota-freddy-cicero-moraes.jpg)

O trabalho foi feito em parceria com o grupo Animal Avengers, composto pelos médicos veterinários Roberto Fecchio, Rodrigo Rabello e Matheus Rabello, e pelo cirurgião dentista Paulo Miamoto. A pintura do casco ficou por conta do artista plástico Yuri Caldeira.

“Foi uma alegria indescritível, quando entraram em contato comigo pensei que fosse uma pegadinha. Depois percebi que era verdade e que novamente a dedicação ao trabalho, unido a uma parceria técnica, havia gerado frutos. Eu não imaginava que um estudo de reconstrução facial fosse evoluir para áreas tão nobres como as da medicina humana e veterinária”, comemora Cícero sobre sua citação no livro dos recordes.

**Próteses humanas**

Em 2016, Cícero recebeu um convite para integrar um grupo de desenvolvimento de próteses faciais liderado pelo médico Luciano Dib. A equipe é formada por especialistas de diversas áreas da Universidade Paulista (UNIP), da Universidade de Illinois, em Chicago (EUA), e do Centro Tecnológico da Informação Renato Archer.

Chamado de **Instituto Mais Identidade**, a organização sem fins lucrativos visa a promover a reabilitação bucomaxilofacial de pessoas que tiveram sua imagem facial afetada em decorrência de traumas, câncer ou doenças congênitas, permitindo que elas recuperem a autoestima e vivam uma vida normal.

Todo o trabalho é voluntário e realizado de forma gratuita. Cícero é responsável por reconstituir as partes faltantes por meio de tecnologia 3D. “Utilizamos uma parte completa para espelhar na região faltante. Pode ser olho, nariz, boca ou orelha”, explica. O designer ainda salienta que se não fosse pela iniciativa do projeto, “sairia bem caro realizar o procedimento”. Você pode saber mais sobre o instituto, **[clicando aqui](https://maisidentidade.org.br/)**.

![](https://www.datocms-assets.com/48983/1715889038-exemplo-de-protese-facial-cicero-moraes.jpeg)

**Reconhecimento**

As contribuições de Cícero na área de reconstrução facial lhe renderam uma honrada titulação de “Doutor Honoris Causa” pela a Faculdade Tecnológica de Limoeiro do Norte (FATELL) e da Fundação Cariri (FUNCAR), no dia 15 de fevereiro de 2022. A solenidade aconteceu no auditório do Colégio Diocesano de Crato, no Ceará. Ele também recebeu o título de cidadão mato-grossense conferido pela Assembleia Legislativa de Mato Grosso.

O sinopense também ganhou reconhecimento de países como Peru e República Tcheca pelos seus trabalhos prestados à história dessas nações. Além de designer, Cícero é palestrante e desenvolvedor de soluções para planejamento digital de cirurgia ortognática, rinoplastia e ortodontia. Ele é responsável por mais de 80 reconstruções faciais. Confira o trabalho completo do designer em seu **[site oficial](https://www.ciceromoraes.com.br/doc/pt_br/Moraes/index.html?utm_source=uninter-noticias&utm_medium=referral)**.

Kethlyn Saibert

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O homem que revelou a face de Jesus